Fatos e Relatos

Quando as primeiras postagens sobre o ocorrido na roda da Penha no dia 21/08/2021 começaram a ser compartilhadas, ficamos revoltados com o caso, pois uma criança não merece ser humilhada.

Após ouvir o áudio da mãe, ficamos mais putos ainda, pois começamos a imaginar a cena em nossa cabeça, por já conhecer a fama de Mestre Touro de ser um cara bronco e bruto, que não tem papas na língua ao dar esporro em alguém nas rodas.

Cena imaginada: “Mestre Touro no meio da roda partindo pra cima da criança, no pé do berimbau, tirando ele dá roda com insultos e palavrões”.

Aí, segue uma leva de depoimentos, de pessoas que tem mágoas desse Mestre, e relembram situações desconfortantes que sofreram. Cada um a seu momento, cada um a sua maneira, e até sua filha remexe em feridas do passado.

Mas 3 (três) dias depois, aparece um vídeo do exato momento que o fato ocorreu, e a cena que me fizeram imaginar com tantos depoimentos, não é a mesma cena que estou vendo agora.

Cena do vídeo: “Mestre Touro falando com a roda parada, pedindo para a grande massa de capoeiristas respeitarem a marcação no chão, e avista um menino ao pé do berimbau e diz que ele não vai jogar”. Não havia outras crianças próximas ao pé do berimbau naquele momento.

Como capoeirista, vejo que esse fato é algo que acontece a todo o momento, o Mestre da roda dizer que esse ou aquele capoeirista não vai jogar.

Desde que aprendi a capoeira, tive os seguintes aprendizados:

* Uma criança ou aluno iniciante não deve ir a uma roda de outro grupo sem o seu Professor ou Mestre;

* Uma criança ou aluno iniciante, nunca deve ir para o pé do berimbau sem ser chamado pelo Mestre. Pode acontecer de um graduado chamar a criança para jogar ou o Mestre da roda dizer que a partir daquele momento é para se jogar com criança, ou só as crianças, ou só iniciantes, ou só graduados e etc;

* Estando em uma roda de outro grupo, devemos sempre pedir permissão ao dono da roda para jogar, e observar o que está acontecendo no jogo, antes de tentar jogar;

* Sendo em roda de rua, esses cuidados devem ser redobrados, pois os capoeiristas mais graduados, sempre querem aparecer e a intensidade do jogo aumenta, assim como as rivalidades.

Desta forma, não vejo uma situação tão absurda e desprezível, como a que foi descrita quando esse assunto ganhou as redes sociais.

Vejo sim, que a situação ganhou uma proporção maior do que o fato ocorrido.

Os relatos que estão aparecendo agora demonstram que o caldo entornou, um tempo depois, quando o pai da criança foi tomar satisfação com o Mestre Touro por não deixar o menino jogar, quando o Mestre já deixara a roda para não mais voltar, estando este na porta de um bar.

Muita discussão, e a turma do deixa disso entram em ação para que a situação não chegasse às vidas de fato, tudo aos olhos de uma criança aos prantos.

Lembro-me de ouvir no relato da mãe, dizendo: Meu filho é campeão mundial.

Porém, ele continua sendo uma criança, um aluno, que precisa respeitar a decisão de quem está no comando de uma roda. Não se adquire passe livre por ganhar um título.

Nem sempre um capoeirista, independente da idade e graduação que tenha, vai conseguir jogar em uma roda de rua.

A vivência da capoeira demonstra que devemos sempre aguardar a nossa vez, o nosso momento, e as etapas de graduação estão aí para ajudar nesse aprendizado.

Outro ponto do relato da mãe, dizendo: Já tinha tentado bater nele na roda do Ninho Sarava.

Neste caso, ainda não apareceu um vídeo sobre isso.

Mas nesse ponto, não cabe a um pai e mãe zelosos, preservar a integridade física e mental de uma criança e evitar que outra situação assim pudesse acontecer.

Eu não levaria meu filho na roda de uma pessoa que já tivesse demonstrado algum sinal de indiferença para com ele.


Vivemos em um momento de muita exposição social

Temos várias ferramentas de mídia, no qual todos estão em constante concorrência para mostrar seu potencial.

Ao mesmo tempo, é crescente a luta pela busca de erradicar a desigualdade, para que tenhamos um mundo melhor.

Felizmente ou infelizmente, uma gota d’água faz um tsunami surgir em um mar calmo, e as ondas seguintes podem ser devastadoras sobre o acusado.

O que ainda não aprendemos, é analisar os fatos reais antes de sair apontando culpados.

* Quando temos um vídeo que demonstra a ação do culpado, isso é mais fácil de justificar a ação tomada inicialmente.

* Quando não temos, nos baseamos em argumentos, e esses argumentos precisam ser imparciais para se chegar ao fato real do ocorrido.

A jurisprudência ensina que quando não há imparcialidade, temos no subconsciente a emoção dominando a razão e nos tornamos tendenciosos no julgamento.

Enfim, quem está certo, e quem está errado?
* Os argumentos iniciais nos levam a crer em uma coisa.
* O vídeo nos leva a crer em outra coisa.

O que não podemos esquecer é que toda história sempre tem 2 lados.

A capoeira desde o inicio do século XXI, está em constante crescimento, houve uma grande conquista entre os anos 60 e 70, com a formalização legal de grupos de capoeira, depois uma evolução entre os anos 80 e 90 para disponibilizar a prática para as crianças, tendo uma transição no método de ensino para que ela fosse mais pedagógica para também ser utilizada como ferramenta educacional. Após os anos 2000, preiteamos cada vez mais que ela seja obrigatória em todas as escolas.

Continuaremos evoluindo, não se esquecendo de respeitar sempre as tradições e as concepções da era moderna.

Vamos nos ater ao fato ocorrido como aprendizado e continuar a evolução para que a prática da capoeira e a forma que tratamos as pessoas sejam crianças, adolescentes ou adultos, seja sempre de uma forma cordial e pensada no bem!!!

Por: Jefferson Estanislau