UM PAPO COM EMOÇÃO, SAUDADE E A CERTEZA DE BOAS ENERGIAS AO REGRESSAR PARA CASA

RODA DE CAPOEIRA: Mestre Coruja, como e quando foi que o senhor começou a praticar a capoeira?

MESTRE CORUJA: Na década de 1980 um grupo brasileiro de capoeira comandado por Mestre Zé Maria realizava show de folclore pela Europa e passou em minha cidade natal, Viterbo, perto de Roma na Itália. Mestre Canela que fazia parte deste grupo se encantou pela cidade e ficou por lá, fixando residência, e passou a dar aulas em uma academia de Kung Fu.

Em abril de 1986, um amigo me levou a esta academia, pois na época o Kung Fu e o Karate estavam na moda, mas eu queria fazer uma luta que fosse diferente, que não fosse aquele combate evidente oriental, que fosse algo meio furtivo, meio escondido, e este amigo me disse que a capoeira era assim, sendo o terceiro aluno do Mestre na Itália me levou lá para conhecer a capoeira, e assim eu passei a praticar a capoeira com o Mestre Canela.


RODA DE CAPOEIRA: Mestre Canela foi quem acompanhou sua trajetória até a sua formatura de Mestre?

MESTRE CORUJA: Sim, desde 1986 eu vim seguindo a orientação do Mestre Canela, atualmente não estamos tão próximos, mas é ele a quem eu sempre irei considerar como meu Mestre.

Em 1996, já sendo um aluno formado Cordel Azul, comecei a dar aulas na cidade de Roma com a supervisão do Mestre Canela, e no ano de 2001, vim para o Rio de Janeiro para me submeter a Banca do Conselho de Mestres da Federação de Capoeira Desportiva do Estado do Rio de Janeiro, onde fui aprovado.

Na época, disseram que eu fui o primeiro estrangeiro a ser aprovado em uma Banca de Mestres de uma Federação, e por este motivo, o cônsul italiano abriu as portas do Consulado Italiano na cidade do Rio de Janeiro para que fosse realizada uma apresentação de capoeira para muitos convidados, e ao final desta apresentação, me foi entregue o Cordel de Mestre de 1º Grau Branco e Verde.

De volta para a Itália, neste mesmo ano de 2001, iniciei um novo trabalho com aulas de capoeira em outra cidade chamada Orvieto, onde permaneci com o trabalho até 2005.

A partir de 2005, voltei para a cidade de Viterbo onde continuo com os trabalhos até hoje. Desde então passei a convidar o Mestre Zé Maria, meu avô na capoeira para participar de meus eventos na Itália, assim como de eventos de meu aluno na Alemanha. Por essa boa aproximação e respeito, o Mestre Zé Maria pediu para que eu ficasse responsável por um aluno dele do Equador que veio morar na Alemanha, e assim, deste então eu venho supervisionando o rapaz em seus trabalhos na Europa.

O interesse em se aprofundar e conhecer sua linhagem da capoeira foi o motivo de sua aproximação com o Mestre Zé Maria, sendo o Mestre de seu Mestre e com uma linda história de vida na capoeira, desde 2005 anualmente ele passava 15 dias na Europa, participando de eventos, realizando oficinas e enriquecendo o nosso conhecimento, mas infelizmente no ano de 2016, isso se encerrou com o falecimento do Mestre Zé Maria.


RODA DE CAPOEIRA: Você conheceu o Brasil por causa da capoeira?

MESTRE CORUJA: Sim, a primeira vez que vim ao Brasil foi em agosto de 1993, pois eu queria ver e conhecer a capoeira aqui do Brasil, porque o Mestre Canela falava muito de seu Mestre Zé Maria, que ele era muito bom, que fazia isso e aquilo. Ele nos contava muitas histórias, deixando-nos encantados com elas, mas infelizmente nesta viagem eu não o encontrei, pois ele estava viajando pelo Equador fazendo show de folclore e acabou ficando por lá para ensinar a capoeira aos equatorianos.

Porém, eu rodei muito o Rio de Janeiro com outro aluno do Mestre Canela, conheci muitos capoeiristas e Mestres de Capoeira nesta cidade. Fiquei um mês aqui no Brasil sozinho, especificamente para conhecer a capoeira.


RODA DE CAPOEIRA: Nesta viagem, você tem alguma lembrança ou referência de algo que tenha gostado?

MESTRE CORUJA: Eu gostei de tudo, de todas as academias que eu fui, de todos os lugares que passei. Conheci o Mestre Marrom que era aluno do Mestre Canela, e que tinha uma academia na época na Av. Nossa Senhora de Copacabana. Eu passando pela rua, escutei o berimbau, e fui seguindo aquela melodia e encontrei a entrada da academia. Lá, escutei um aluno chamar “Mestre Marrom...” e assim eu me lembrei de que Mestre Canela disse que tinha um aluno por aqui com esse nome. Dessa forma eu me apresentei ao Mestre, dizendo que me chamava Coruja e era aluno do Mestre Canela na Itália e estava visitando o Brasil.

Também fui à academia do Mestre Perninha, passei pelo subúrbio, pela lapa, eu rodei muito em busca do que eu queria encontrar. Eu entrava nos lugares, perguntava sobre capoeira, me apresentava, em alguns lugares eu tive de pagar outros não, mas foi tudo muito bom.

Nesta viagem eu também fui à Bahia para conhecer a academia do Mestre João Pequeno e durante uma semana eu fiz aulas particulares com ele todos os dias pela manhã de 10:00h às 12:00h, apenas eu e ele. Eu já o conhecia desde um evento em 1991 em Strasbourg na França, onde ele foi um dos convidados, e assim, quando tive a oportunidade de fazer essa viagem combinei essas aulas com ele.

Na parte da tarde, eu ia para uma academia que foi do Mestre Bimba que na época era administrada por Mestre Bamba, pois também o conheci em um evento na Suíça em 1991, na verdade eu fui para um evento em Berlim, e na volta passei em Basiléia para fazer show à noite para arranjar dinheiro e o conheci e acabamos fazendo algumas apresentações juntos.

Assim eu passei uma semana em Salvador na Bahia, fazendo aulas pela manhã com Mestre João Pequeno e na parte da tarde com Mestre Bamba, e gostei muito disso.

Em minhas viagens aqui no Brasil, eu já estive em Curitiba, em São Paulo, em Salvador, mas é aqui no Rio de Janeiro que eu me sinto em casa, tenho um amigo aqui do Consulado Italiano que deixa seu carro comigo e assim eu posso ir pra lá e pra cá como se estivesse em casa.

Neste ano estamos hospedados na casa do Mestre Aldo, ele tem nos levado há vários lugares, assim posso rever os velhos amigos e conhecer novos, sempre com a capoeira.


RODA DE CAPOEIRA: Nessas viagens, o que você leva daqui do Brasil para a Itália, o que você passa ou transmite para seus alunos?

MESTRE CORUJA: O que eu levo daqui do Brasil para a Itália e a energia, o conhecimento. Eu gosto muito de chegar nas rodas e ter a oportunidade de conversar com os Mestres mais antigos, já não venho mais ao Brasil para aprender golpes e movimentos, já fiz muito isso, mas agora já tenho um bom tempo de estrada, já são 15 anos de Mestre e não preciso vir aqui para treinar uma meia lua, isso eu treino em casa.

Agora eu venho aqui para renovar as energias, e quando eu fico um tempo aqui e volto, meus alunos sentem isso, pois a gente volta com uma carga nova, e as pessoas percebem isso.

Como hoje, conversando aqui e ouvindo as histórias do Mestre Bira, sua experiência, sua bagagem, é isso que eu faço agora, venho aqui trocar informações e coloco na minha mala a experiência dos outros para eu aumentar a minha experiência e voltar para os alunos com mais conhecimentos. Conversando com cada Mestre eu acredito que a gente leva um pouco dessa energia deles, e hoje aqui na roda da Capoeira Barravento foi assim, pois havia muitos Mestres, e todo mundo jogando a vontade com os alunos, sem maldade, e eu gostei muito disso, foi bonito!


RODA DE CAPOEIRA: O Brasil é o país do futebol e o inventor da capoeira. Dizemos que o brasileiro já nasce gingando e jogando bola. Isso às vezes trás arrogância e muita gente acha que já sabe tudo e não se dedica em estudar a capoeira. Aí vemos os estrangeiros se esforçando em aprender a nossa língua, a nossa história e se dedicando a capoeira. Há centenas de vídeos na internet que demonstram isso.

Na sua visão, o que diferencia a capoeira daqui com a capoeira lá de fora atualmente?

MESTRE CORUJA: A diferença pra mim agora neste ano de 2016, é que tem muita capoeira no exterior. Quando eu comecei eram poucos lugares que se conseguia achar a capoeira, pois era muito raro. Era muito difícil ter capoeiristas para se jogar a capoeira, eu tive a sorte de ter um Mestre Brasileiro para me ensinar e poder jogar a capoeira com ele.

Aqui no Brasil tem capoeira em todo lugar, porém agora, a mesma capoeira que está aqui também está lá fora, tem bons capoeiristas estrangeiros como há bons capoeiristas brasileiros. Eu falo que agora, somos todos de um mesmo país, um país sem fronteiras.

Lá fora o estrangeiro precisa se dedicar, pois ele tem que aprender o idioma para saber o que está cantando e conhecer a história da capoeira. Mas nos treinamentos dos movimentos eu acho que é igual, pois como vimos hoje no Batizado aqui, há alunos iniciantes aqui como também temos lá e eles vão aprendendo com o tempo.

Nas rodas de capoeira eu acho que é tudo muito igual, pois quando vamos às rodas lá, onde tem muitos grupos diferentes, pode acontecer problemas, mas isso também acontece aqui. E isso eu acho muito normal.


RODA DE CAPOEIRA: Como é que você ensina a cultura brasileira e o idioma lá para seus alunos? Como você desperta o interesse das pessoas para a capoeira?

MESTRE CORUJA: Às vezes agente faz apresentações de capoeira em praças públicas ou demonstrações em eventos. Também tem os capoeiristas que convidam seus amigos para irem assistir uma aula e ver como é a capoeira. Na Itália tem poucos lugares que permitem a capoeira em escolas ou universidades, diferente do Equador onde tem muitas escolas e universidades com praticantes de capoeira, lá isso é muito bem organizado, com programas de estudo que introduzem a capoeira e dão crédito para os alunos.

Na Itália, se você consegue um local como um colégio ou universidade para ensinar a capoeira, isso não vai fazer parte da formatura do estudante.

Sobre ensinar a cultura hoje já é mais fácil, pois já temos alunos praticando a capoeira há alguns anos, e quando chegam os mais novos, nós vamos falando o nome dos movimentos em português e vou explicando o significado, e falo que eles não precisam se preocupar, pois vou falar isso muitas vezes e eles vão aprender, e dentro do grupo eles mesmos vão trocando informações para aprenderem e se entenderem com os termos e o idioma português.

Também tem as cantigas, as chulas, as ladainhas, que vou traduzindo para eles, pois canto “O menino chorou, nhe nhe nhe...” e explico o sentido, o significado em italiano. E somente depois, bem depois deles já estarem acostumados com isso, é que eu vou ensinando para eles a história da capoeira, pois a maioria dos meus alunos trabalham, e quando eles vão para a academia para treinar, eles querem descontrair, descansar a cabeça. Se eu começo logo de início a falar da história da capoeira, quem foi fulano isso, ou aquilo, ele não vai voltar mais. Mas depois que ele já está acostumado e gostando da capoeira, ele mesmo pergunta e tem o interesse de aprender mais.


RODA DE CAPOEIRA: Hoje mais cedo, participamos da Banca de Mestres e Contramestres da Federação de Capoeira Desportiva do Estado do Rio de Janeiro. O que significa para você ter participado deste exame e ter a aprovação e o reconhecimento de uma Federação de Capoeira Brasileira para o seu título de Mestre de Capoeira, e no caso de hoje, a aprovação de um aluno seu para o título de Contramestre?

MESTRE CORUJA: Vou te contar a minha experiência de vida, sendo estrangeiro e praticante de capoeira. Não sei se todos que lerem essa entrevista vão compartilhar do meu pensamento, mas são fatos que aconteceram comigo.

Muitas vezes chegam brasileiros no exterior e veem os alunos falando da capoeira ou a praticando, e pergunta para eles quem é o seu Mestre. Quando dizem que o Mestre também é estrangeiro, dizem que eles não estão aprendendo direito, que precisam aprender com ele, pois ele é brasileiro e sabe mais de capoeira do que o estrangeiro. Isso já aconteceu algumas vezes comigo, com alunos de meus alunos formados, ou com outros capoeiristas conhecidos.

Hoje eu sou Mestre de 2º Grau Cordel Branco e Amarelo, posso formar meus alunos a Cordel Azul de Professor, como também posso formar Contramestres e Mestres, porém, faço questão que eles venham aqui no Brasil e se submetam a prova da Banca de Mestres e Contramestres da Federação. Veja que não é o Certificado de Contramestre ou a Carteirinha da Federação que vai jogar a capoeira para eles, porém isso vai dar mais força ao seu trabalho, saber que eles se submeteram a Banca e foram aprovados.

Também é uma prova para os donos de academias na Itália ou na Alemanha, de que o profissional que eles estão contratando para dar aulas, veio aqui e foi avaliado por Mestres do Rio de Janeiro e foram reconhecidos pelo seu conhecimento da capoeira no Brasil. Assim, quem quiser tirar dúvida sobre isso pode ligar, mandar e-mail e comprovar que eles estão registrados e certificados aqui.

Lá fora em muitos países, o certificado legalmente pode não ter valor, mas tem um valor muito importante na consciência do individuo, na consciência do aluno, na consciência do dono da academia.

E também tem um respaldo muito importante, para aqueles brasileiros que chegam lá fora, e porque jogam capoeira acham que sabe mais do que todo mundo, mas quando chegam a nós e veem que somos certificados por uma Federação importante no Rio de Janeiro, que fazemos parte de uma linhagem de grande importância na Capoeira Carioca, que temos conteúdo e bagagem, passam a nos olhar com o devido respeito.

MestreCoruja&Merlino04.jpg




RODA DE CAPOEIRA: Como é para o senhor, ver seu aluno percorrendo os mesmos passos que você, vindo ao Rio de Janeiro e sendo aprovado na Banca de Mestres e Contramestres da Federação?

MESTRE CORUJA: Eu falo para meus alunos que eles precisam construir a sua história dentro da capoeira, no caso aqui do Martino que pratica a capoeira desde 2002, ele já está há 14 anos no mundo da capoeira, porém hoje eu acho que ele deu uma entrada oficial, pois agora ele está registrado na Federação e os Mestres da Velha Guarda estão conhecendo ele. Nessas duas semanas que ficaremos aqui no Brasil iremos visitar muitas rodas de capoeira para que os Mestres possam conhecê-lo e começar a fazer a sua própria história, pois a minha eu já fiz e continuo fazendo, e é o dever de cada aluno fazer isso também.

Quando ele voltar para a Itália eu ficarei feliz por ele, assim como também ficarei feliz pelo reconhecimento de meu trabalho. Pois eu fiz a minha história e compartilhei com ele uma coisa que eu gosto, e agora ele está aqui para fazer a história dele.

Quando eu volto, os alunos na Itália ficam mais empolgados em fazer a capoeira, pois veem exemplos como a do Contramestre Gladiador na Alemanha, e agora o Martino, e assim percebem que não é algo impossível, que eles também podem se esforçar e chegar a esse momento. Eu fiquei 17 anos colado com o meu Mestre, treinado todo dia, fazendo trabalhos em conjunto, e agora, são meus alunos que estão fazendo isso comigo.

Eu tenho um aluno, o Lourenço que é novinho de capoeira, e esse ano irá pegar seu primeiro cordel, e ele já está falando, “poxa Mestre, daqui a uns anos será eu também, pois vou treinar muito e me dedicar bastante para um dia fazer isso também”.

E é assim, a gente vai criando caminhos para que outros possam fazer o mesmo.


RODA DE CAPOEIRA: Mestre Coruja, lá na Itália você trabalha só com aulas de capoeira ou tem outra profissão?

MESTRE CORUJA: Para se viver com a capoeira, você tem que dar aulas de dia até a noite, ter dois ou três lugares fixos para fazer só isso. Eu tenho minha profissão e dou aulas de capoeira porque eu gosto. Eu trabalho durante o dia como Corretor de Seguros e dou aulas a noite porque amo fazer isso.


RODA DE CAPOEIRA: Vamos continuar a entrevista agora com o Contramestre Merlino.

Caro Martino, vocês chegaram ontem ao Brasil, hoje já participou da Banca da Federação, e agora à tarde da Entrega de Cordéis na sede da Capoeira Barravento. É a primeira vez que você vem ao Brasil, como está sento tudo isso para você até agora?

CONTRAMESTRE MERLINO: Estou muito feliz com o que estou vendo e vivendo até agora, pois sempre assisti vídeos no Youtube das rodas de capoeira aqui no Brasil e ficava me imaginando estar aqui para participar delas.

Na internet a gente pode achar muita capoeira, ver aquele que pula, aquele que joga, aquele que canta, ficar horas na frente do computador assistindo tudo isso. Porém, estar aqui e viver isso tudo é muito gratificante. Eu ainda estou emocionado pela aprovação na Banca da Federação, pela roda que aconteceu lá, depois pelo evento na parte da tarde na Barravento, recebendo minha graduação das mãos de meu Mestre Coruja e do Mestre Bogado, com tantos Mestres presentes, tudo com muito axé e uma energia muito boa.

Serão duas semanas aqui no Brasil, 14 dias para aproveitar, e assim estou muito emocionado, ansioso e curioso por tudo que poderei ver e viver por aqui nestes dias.

MestreCoruja&Merlino02.jpg




RODA DE CAPOEIRA: Martino, como é para você fazer a mesma caminhada que seu Mestre fez há muitos anos atrás, conhecer o Rio de Janeiro, o Brasil e se submeter à Banca de Mestres e Contramestres da FCDRJ?

CONTRAMESTRE MERLINO: Esse certificado é para continuar o caminho, não é um ponto final. Isso me dará mais responsabilidade e mais possibilidade de poder fazer trabalhos com a capoeira, pois irei voltar com mais experiência e mais bagagem de vida e não somente com a capoeira, pois visitar os Mestres, poder bater um papo, conversar e aprender é algo que não tem um valor.

Eu moro em uma cidade diferente da qual mora o Mestre Coruja na Itália, são 40 minutos de carro, na Itália pra gente isso é bem longe, assim, não dá para estar com meu mestre todos os dias, dessa forma eu ligo, pergunto as coisas a ele, falo dos meus projetos, pois quero saber a opinião dele.

Há pouco tempo chegaram dois brasileiros em minha cidade, cada um deles abriu um curso em lugares diferentes da cidade, como é uma cidade pequena, acham que a gente não conhece a capoeira. Um deles foi a minha academia e se apresentou como Mestre de Capoeira, então como já estávamos bem adiantados com a aula, eu pedi para os alunos fazerem uma roda e chamei ele para jogar com a gente. Durante o decorrer do jogo, quem é capoeirista conhece um Mestre quando este está jogando, e a gente foi vendo e pelo jeito que ele jogava não parecia ser Mestre. No final da roda eu perguntei novamente para ele se ele era Mestre, aí ele já desconversou e por fim disse que era um aluno formado do seu Mestre. Vamos dizer que ele pensou que não sabíamos jogar capoeira e por isso tentou nos vender a sua história, dizendo que por ser brasileiro ele era um Mestre, mas depois percebeu que a gente não era tão desentendido assim como ele achava, e essa história não iria ficar bem para ele.

Assim essa experiência de vida aqui no Brasil, mais o Certificado de Contramestre da Federação acaba se tornando uma ferramenta muito importante para combater esse tipo de gente, que vai pra lá querendo se aproveitar das pessoas, se dizendo passar por quem de fato elas não são, mas para quem não conhece, acaba acreditando por achar que é brasileiro e assim também deve ser um Mestre de Capoeira.


RODA DE CAPOEIRA – Isso de fato é uma coisa muito ruim, no qual já ouvimos outros relatos de capoeiristas se queixando de histórias parecidas. Brasileiros que chegam a outros países e se dizem Mestres de Capoeira e montam turmas ou cursos e começam a ganhar dinheiro em cima disso, mas aos poucos os alunos percebem que aquela pessoa não tem um conhecimento ou uma didática de ensino que valide esse trabalho. Isso acaba descredenciando outros brasileiros corretos, que são verdadeiramente formados por seus Mestres, e chegam a algumas cidades para fazer um trabalho, mas são repudiados por pessoas que já foram enganadas e não querem mais dar vez a outras pessoas que possam enganá-las novamente, fechando assim as portas para todos.


RODA DE CAPOEIRA: Mestre Coruja, pra gente finalizar essa entrevista, sei que um dos motivos que fizeram vocês virem ao Brasil neste momento, é a homenagem que será feita em memória do Mestre Zé Maria no dia 18 de dezembro, no qual vocês irão fazer parte. Gostaria que você comentasse um pouco sobre isso?

MESTRE CORUJA: Realmente escolhemos essa data por 2 motivos: O primeiro para que o Martino pudesse ser avaliado pela Banca de Mestres da Federação, e segundo para poder participar desta homenagem em memória do Mestre Zé Maria, que foi um grande amigo e um grande Mestre, pois durante todos esses anos pra gente ele nos deu muito. Quando eu me afastei do Mestre Canela, eu não queria largar a minha linhagem, pois eu tenho orgulho dessa linhagem, que ainda tem em vida o meu tataravô de capoeira o Mestre Mário Busca-pé. Amanhã eu irei conhecer ele, pois nunca tive essa oportunidade, em todas as viagens que fiz ao Brasil nunca consegui encontrá-lo, infelizmente isso vai acontecer neste momento que para mim é de tristeza pela perda de um amigo.

O Mestre Zé Maria quando criou a possibilidade de ir nos visitar, sempre levava consigo um pouco do pó do axé da capoeira, e isso era uma coisa muito legal pra gente lá na Itália, cada ano que ele vinha trazia um pouco da sua experiência, da sua vivência, de seus ensinamentos, e por isso estamos muito triste, pois é difícil entender como em pleno 2016, uma pessoa pode morrer por embolia pulmonar, algo que eu acho horrível.

Outra coisa dessa viagem, é que estamos com o intuito de fazer uma fundação da linhagem do Besouro Mangangá, um lugar onde todos os capoeiristas poderiam chegar e conseguir informações sobre a história desse Mestre e dos Mestres que vieram depois dele, saber aqueles que estão vivos e como podemos encontrá-los. Eu acho isso tudo muito bonito para todos nós, para continuar a nossa linhagem, a nossa capoeira.

MestreZeMaria.jpg




RODA DE CAPOEIRA – Mestre Coruja, acho isso muito bacana, a presença de vocês aqui no Brasil para prestar essa homenagem a um mestre de grande valor que foi o Mestre Zé Maria, esse apreço e estima que o senhor tem por ele sei que vai legar por toda a sua vida e continuará passando isso aos seus alunos.

Da mesma forma, o respaldo e respeito que o senhor tem pelas Federações de Capoeira, neste caso a Federação de Capoeira Desportiva do Estado do Rio de Janeiro, tendo em mente a importância que o senhor dá para que seus alunos venham ao Brasil, conheçam a sua origem, a nossa história e sejam avaliados por uma Banca de Conselho de Mestres Antigos, pois isso reflete não apenas em seus alunos, reflete também no senhor, pois indiretamente você é avaliado pela capacidade de seus alunos.

Ao Martino, agora Contramestre Merlino, que sua passagem pelo Brasil seja repleta de boas histórias e muita troca de conhecimento e aprendizado, pois essa é uma bagagem que nunca enche, pois sempre terá espaço para novas experiências, novas viagens, e boas rodas de capoeira, onde o grande lance é criar vínculos e formar amizades, pois são essas amizades que abrem espaço para novas oportunidades de enriquecimento cultural.

Que vocês aproveitem bem essas duas semanas de estadia aqui no Brasil e que possam percorrer muitas rodas e eventos neste mês de dezembro.

Obrigado por conceder essa entrevista e que venhamos a nos encontrar em muitas rodas de capoeira por esta vida!

Salve a Capoeira!!
Jefferson Estanislau