UM PAPO COM BOAS RECORDAÇÕES

RODA DE CAPOEIRA - Mestre Reginaldo, como foi a sua iniciação na capoeira?

MESTRE REGINALDO - O meu primeiro contato com a capoeira foi por volta dos 6 anos, com um rapaz que chamávamos de Naval, pois ele era militar nesta época, ele era um baiano, praticante de Judô, mas que vivia passando pelas ruas tocando o seu berimbau. E aquilo chamou minha atenção. Mas eu só fui começar a treinar a capoeira com um rapaz que chamávamos de Vasquinho, na década de 70, mais ou menos em 1974. Ele nos ensinava a capoeira, não que ele soubesse muito, mas ele começava a nos passar as movimentações, e a gente ia fazendo sem muita responsabilidade por causa da idade e também visto que naquela época, a capoeira ainda era muito marginalizada, se alguém fosse pego fazendo a capoeira na rua, a polícia parava e prendia. Graças a Deus isso nunca aconteceu comigo.

Só por volta dos meus 17 ou 18 anos, quanto eu estava indo para o quartel, foi que eu conheci aquele que foi o meu Mestre de Capoeira, seu nome era Samuel, mas era conhecido como Muca, o saudoso Muca, angoleiro do Rio de Janeiro. Ele que começou a me ensinar a história e a importância da capoeira, isso lá no município de Duque de Caxias, no bairro Pilar.


RODA DE CAPOEIRA - Como o senhor citou, nesta época dos anos 70, havia muita discriminação, se a policia visse um capoeira, ela chegava, intimidava e até prendia. Como você vê a capoeira hoje em dia se comparando aquela época?

MESTRE REGINALDO - Naquela época, a capoeira era marginalizada porque ela ainda não tinha uma identidade cultural, sempre que havia um acontecimento dentro da comunidade e que havia capoeira, a gente tinha muito medo de brigas, pois quando aconteciam essas rodas, também aconteciam muitas brigas, e a polícia já chegava batendo e querendo prender.
Depois que eu entrei no quartel, aí sim, eu comecei a me sentir mais seguro, pois já tinha a minha carteira de militar e se a policia chegasse à gente já podia conversar de uma forma diferente.

Mas se comparando com hoje, a gente vê que a capoeira cresceu, não vou dizer que teve um avanço tão grande, mas sim que a capoeira inchou. Diferente do passado, a gente vê muita gente fazendo capoeira por causa do ego, sem muita responsabilidade cultural, só apenas pra dizer que faz capoeira.


RODA DE CAPOEIRA - Neste período que o senhor conheceu seu Mestre Muca, alem dele é claro, quem eram as referências que o senhor tinha da capoeira nas rodas onde frequentava?

MESTRE REGINALDO - Após alguns problemas pessoais que fez o Mestre Muca se afastar da comunidade, eu passei a treinar com o Mestre Índio, que não era praticante de angola, mas que fazia parte de um grupo chamado Filhos de Angola, que praticava a capoeira Regional, e assim, eu passei a perceber a diferença entre o estilo Angola e o estilo Regional. Mestre Índio era uma pessoa boa, de bom coração, era como se fosse à galinha dos ovos de ouro para os amigos, pois ele protegia muita gente nas rodas e assim todos queriam estar perto dele.

Mas depois de um tempo, eu soube que o Mestre Muca voltou e estava em outra comunidade. Ele estava trabalhando não só com aulas de capoeira mais também com show de capoeira no Plataforma 1. Sabendo disso eu fui conversar com Mestre Índio, informar a ele que meu Mestre estava de volta, e que eu gostaria que ele não ficasse chateado, mas que eu iria procurar o Mestre Muca novamente.

E a partir desse novo contato com Mestre Muca, eu passei a conhecer outros Mestres, como o Mestre Arerê, Mestre Mucugê, Mestre Gil Velho, Mestre Gato, Mestre Peixinho, Mestre Ramos, esse pessoal todo da Senzala, assim como Mestre Levi, Mestre Nacional, Mestre Canela que era uma pessoa que muito ensinava agente, também conheci Mestre Tião, Mestre Fininho, Mestre Zumbi, Mestre Esquilo, Mestre Lumbri, Mestre Poeira que é meu avô de capoeira, Mestre Marrom, Mestre Sorriso da Senzala, Mestre Elias, Nestor Capoeira, e tantos outros, uma variedade de mestres que se eu for ficar aqui falando, vai ser muita gente. Mas com certeza todos eles acrescentaram muito para que hoje eu seja o capoeira que sou.


RODA DE CAPOEIRA - Dessas rodas da década de 80, qual foi a roda que te marcou e que você gostava muito de ir?

MESTRE REGINALDO - Naquela época o meu mestre tinha uma mania de começar a treinar na madrugada de sexta-feira. A gente se reunia para ir aos pagodes e festas de rua, e ao fim das festas lá pelas 4 horas da madrugada a gente ia se despedir do mestre e ele dizia: Vocês não vão embora não, vocês vão em casa, vão trocar de roupa e voltar de uniforme pra gente treinar. E às 5 horas da manhã estávamos todos reunidos num campo onde treinávamos e isso ia até as 10 ou 11 horas. Porém, ele dava um prazo pra gente ir em casa almoçar e voltar, pois dali a gente iria nas rodas da zona sul ou então na roda do Quilombo dos Arerê que foi uma roda que marcou muito. Uma roda que a gente sentava pra aprender, começava as 17:00 horas da tarde e ia até as 5 horas da manhã do outro dia. Saía cansado, cheio de sono, mas satisfeito, pois a gente realmente jogava e aprendia capoeira.

Esse Quilombo dos Arerê foi um lugar que marcou muito a minha vida como um capoeira, como história, foi uma roda que conquistou praticamente todos os alunos, porque era porrada o tempo todo, mas já dizia os velhos mestres: “Não se faz amigos numa roda de capoeira sem antes você confrontar com ele, pois você sabe se o cara é irmão quando confronta com ele, pois quando estiver sozinho numa roda diferente, e você ver esse amigo, sabe que vai poder contar com ele”. Essa roda do Quilombo dos Arerê acontecia toda sexta-feira nos Arcos da Lapa na FEBARJ.


RODA DE CAPOEIRA - Eu vejo hoje pelas redes sociais que o senhor participa de muitas rodas, já deve ter viajado muito. Tem algum lugar que tenha ido e tenha marcado a sua lembrança?

MESTRE REGINALDO - Sim, eu estive na França no ano de 2006. Fiquei lá por 3 meses, e estive nas cidades de: Bayonne, Dreux, Béziers, Montpellier, Toulon, Toulouse etc. Foram cidades que estive não só para dar aula de capoeira, mas também de percussão, samba e artesanato.

O local que eu achei que contribui bastante foi na cidade de Cape Breton, um local que tinha uma quantidade mínima de alunos e quando eu cheguei com meu gingado todo brasileiro, eu levantei o astral da galera e consegui botar num período de 2 meses, mais de 80 alunos pra aprender capoeira.

Também na cidade de Marselha, na academia de Mestre Camaleão, com minha chegada o número de alunos aumentou muito, eles me viram jogando e muita gente começou a se matricular e participar das aulas.

Então foram cidades que eu estiver e vi que contribui bastante para divulgar a capoeira. Até hoje seu sinto saudades dessa galera, pois eles são hospitaleiros, acolhedores. Por mais que muitos digam que os franceses são frios, a minha passagem por lá foi diferente, pois vi que eles te acolhem, te defendem, não deixam que falem mal de você. Você sabendo trabalhar tudo de bom acontece.


RODA DE CAPOEIRA - Aproveitando que você falou da Europa, como você vê atualmente o impacto dos estrangeiros na capoeira, pois diferente do que vemos no Brasil, eles precisam se esforça duplamente, pois além dos movimentos eles precisam aprender uma língua diferente e a nossa cultura?

MESTRE REGINALDO - Eu vejo com bastante orgulho, pois aqui no Brasil vemos muita gente esforçada que leva o trabalho a sério, mas não é igual na Europa, pois além de tudo o que você disse, lá eles tem um respeito muito grande pela nossa cultura, as pessoas te tratam com respeito o que você leva do Brasil para lá, eles abraçam as ideias, eles querem aprender tudo, não tem preconceito com você sobre fatores religiosos, sobre etnias, o que pode ter de representações negativas aqui no Brasil, lá não existe essa preocupação.

Aqui no Brasil, por mais esforçados que nós sejamos ainda vemos que os governantes não apoiam totalmente a capoeira, eles sempre discriminam a gente e de alguma forma fazem as coisas para manter acessa a chama da escravidão. E na Europa, eles te dão toda uma liberdade para você expressar todo o seu sentimento cultural, toda a sua individualidade, para que eles também possam viajar nessa praia, para que eles possam estar aprendendo com você. E aqui no Brasil nós não temos todo esse reconhecimento, essa aceitação, muitas pessoas veem a capoeira por um lado religioso, por um lado diabólico, que na verdade não tem nada a ver com o que fazemos.

Então, quando vejo um capoeirista estrangeiro dando um show de capoeira, tenho um orgulho muito grande, pois é sinal que os capoeiristas brasileiros que lá estão, estão fazendo um trabalho sério, estão sendo reconhecidos e estão sendo valorizados. Coisa que era para o nosso sistema aqui está fazendo, valorizando a nossa cultura e a nossa capoeira. Muitas das vezes eles querem construir uma história que não existe, deixando a real história ser apagada, e isso pra mim ainda é a escravidão.


RODA DE CAPOEIRA - O que o senhor vê de errado por aqui no Brasil?

MESTRE REGINALDO - A capoeira só começa a ter um certo melhoramento, quando o sistema passa a respeitar, e na verdade o sistema não respeita isso. Hoje vemos aí o sistema querendo regularizar a capoeira, e eles dizem que regularizando a capoeira passa a ser reconhecida, mas na verdade a capoeira já é reconhecida a anos, pois quando eu nasci a capoeira já existia, eu vou morrer e a capoeira vai continuar existindo, a capoeira está em outros países, está na televisão, está nas escolas, nas universidades, e contribuindo na formação de muitas pessoas. E o sistema vem com esse papo furado que a gente percebe que é uma escravidão, porque embaixo dessa regulamentação da capoeira, tem um propósito do sistema para poder aniquilar, ou seja, eles querem tirar da gente o que é nosso de verdade, a nossa cultura, o que muitos não dão valor.


RODA DE CAPOEIRA - Para não tomar muito o seu tempo, visto que estamos em um evento, gostaria que você deixasse uma mensagem para aqueles que querem ou estão iniciando a pratica da capoeira.

MESTRE REGINALDO - Eu vou usar o termo que eu trago comigo no peito até hoje, pois eu passei um pedaço da minha vida bem difícil, e pra chegar a ser um Mestre de Capoeira não é fácil. Então, o meu falecido mestre já dizia: “A dificuldade estimula os guerreiros para a luta”. E ele sempre me disse: “Não desista!” E é por isso que eu continuo praticando a capoeira até hoje.


RODA DE CAPOEIRA - Muito obrigado Mestre Reginaldo, que a capoeira continue sendo sempre motivo de alegria e festa para o senhor.