UMA VIDA CERCADA DE CULTURA POPULAR

RODA DE CAPOEIRA: Como foi que o senhor conheceu a capoeira, como foi sua iniciação nessa arte?

MESTRE DJALMIR: Quando eu vi a capoeira pela primeira vez, eu tinha 7 anos de idade, isso em 1962, pois eu nasci em 1955. Essa capoeira que eu vi era uma capoeira presa, pois a gente era pobre. Naquela época nos anos 60 não tinha como ver uma capoeira na rua como hoje em dia, essa capoeira que eu vi, foi dentro dos barracões de candomblé, foi ali através de uns parentes meus, tios e minha bisavó que nasceu muito antes da Princesa Isabel libertar os escravos, e eu tive a felicidade de conviver com ela, ela tinha 96 anos e eu tinha 11 em 1966, então através dessa situação desse jeito que eu vi os primeiros passos da capoeira, vendo parentes meu praticando, parentes que conviveram com mestres na Bahia, com Mestre Pastinha e Mestre Bimba, pois eu nasci em São Gonçalo/RJ, mas a maioria dos meus parentes nasceram na Bahia e assim me deu essa vantagem de nesta época ver a capoeira ali dentro do barracão de candomblé, pois na rua era difícil até porque já estava quase explodindo a ditadura em 1964, seria muito difícil ver a capoeira na rua ainda mais eu sendo de menor, pois eu tinha 7 pra 8 anos.


RODA DE CAPOEIRA: O senhor disse que seus parentes vieram da Bahia. De que cidade eles vieram?

MESTRE DJALMIR: Eles vieram de São Francisco do Conde, e por viverem na Bahia, tiveram a oportunidade de conhecer muitos mestres por lá que também frequentavam os barracões de candomblé. Chegando aqui, frequentaram barracões de candomblé como Parque Fluminense em Caxias, e assim eu fui conhecendo e aperfeiçoando a capoeira, vendo as cantorias dos Sambas de Roda, os toques no atabaque e no berimbau.


RODA DE CAPOEIRA: Em São Gonçalo, quando o senhor teve a oportunidade de sair e ver a capoeira na rua, quais eram os nomes da capoeira que o senhor se lembra?

MESTRE DJALMIR: Naquela época, havia o Mestre Travasso, Mestre Manoel Gato Preto, Mestre Chita, o Mestre Gigante da Negrinhos da Sinhá que foi muito meu amigo. Aí eu já era um adolescente entre os 16 a 20 anos.


RODA DE CAPOEIRA: Nessa época, quais eram os lugares que o senhor via como referencias da capoeira.

MESTRE DJALMIR: Já havia capoeira em algumas academias, mas no meu caso, as minhas referências eram no barracão de candomblé, pois dentro da casa de minha mãe a nossa religião era espírita, então eu pratiquei ela muito dentro disso, pois quando se terminava de fazer os trabalhos de manhã cedo já começava o samba de roda e a capoeira jogada ali mesmo, então eu não gostava muito de ir a rua atrás da capoeira, pois eu já vivia ela ali dentro de casa. Só gostava de ir às festas de carnaval, festas de quadrilha e colégios, ai sim eu saia e ia ver e praticar a capoeira lá fora.


RODA DE CAPOEIRA: Como o senhor disse você compartilhou da vivência de seus familiares, teve conhecimento da época de repressão, viveu a ditadura. Como o senhor vê hoje em dia a pratica da capoeira, o que melhorou de lá pra cá?

MESTRE DJALMIR: Para mim mudou e melhorou muito, pois eu vivi isso desde novinho e hoje já estou nos meus 60 anos quase fazendo 61, e vejo que mudou muito, principalmente a liberdade. Naquela época dos anos 70 em São Gonçalo, eu morava em um reduto que era Alcântara, Laranjal, Neves e fui um dos que levou a capoeira para a área de Alcântara em Santa Luzia em uma academia, e ali eu tive alguns alunos como o Mestre Cesar da Beira Mar que depois foi formado pelo Mestre Machado, porque eu tive de parar, pois naquela época ali em Santa Luzia eu fui preso 2 vezes. Saindo da academia lá pelas 22h, peguei os alunos e chamei-os para tomar um refrigerante, e pra não levar eles para um botequim que seria um lugar ruim pra eles, eu os levei para uma padaria, ai a policia me para na porta e pergunta quem era o Mestre de Capoeira, eu disse “eu”, e o policial falou “você tá preso”. Isso aconteceu nos anos 70 comigo por 2 vezes, porque era repressão e eles não queriam que a capoeira se espalhasse. Nos anos 60 e 70 era difícil você ver um cantador e tocador de berimbau pela rua, hoje isso é muito mais fácil, e ainda com a evolução da mídia, você tem a oportunidade de ver e ouvir capoeiristas de todas as partes. Naquele tempo você não via nas rodas de capoeira de rua nem mulheres e nem crianças, era só homens e hoje não, é uma festa só, é integrado nas academias, nos colégios e se tornou patrimônio imaterial da humanidade. Isso é uma maravilha, apesar de ter algumas coisas que os mestres faziam no passado que não se vê hoje.


RODA DE CAPOEIRA: O que o senhor sente falta que se via os mestres fazendo no passado que não se vê hoje?

MESTRE DJALMIR: Naquela época após a repressão, quando se podia fazer uma apresentação, a gente fazia uma capoeira show, um jogo combinado para que ninguém se machucasse, com acrobacias e saltos tudo bem certinho para que o público ficasse feliz com o que estava vendo. Uma capoeira de espetáculo, pois eu sempre gostei disso. Quando eu me direcionei a ensinar, você tinha de saber de tudo, tinha de saber cantar, tocar, conhecer fundamentos e tradições e hoje às vezes você não vê isso, vê muita gente ensinando sem conhecimento, gente que só quer saber de jogar.


RODA DE CAPOEIRA: Mestre Djalmir, quem foi seu mestre, quem é aquele que o senhor considera seu mestre?

MESTRE DJALMIR: Quem eu considero meu mestre foi Mestre Tatebim, ele já faleceu com seus 90 anos, ele não esteve muito na mídia, mas através dele eu tive conhecimento do que Mestre Pastinha, Mestre Caiçara e Mestre Bimba fazia, principalmente em termos de toques, pois isso como já era origem na minha família e como eu já era o Ogan e praticando desde os 7 anos as três nações que são Angola, Quito e Umbanda. Ele foi um cara que esteve ali no reduto de nossa família, que nos terreiros ali praticava aquele situação e nos ensinava. Então ele é quem eu considero muito.


RODA DE CAPOEIRA: O senhor e o Mestre Lelo, fundaram o Centro Cultural Voz do Berimbau, qual foi à motivação de vocês para isso?

MESTRE DJALMIR: O Mestre Lelo como todos sabem, foi aluno do Mestre Cesar da Beira Mar e Mestre Cesar foi meu aluno, e eu parei por muito tempo. Lá onde eu parei de dar aula o Mestre Cesar pediu pra ficar em meu lugar e fundou o grupo Beira Mar. No ano 2000 tive contato com uma aluna do Mestre Cesar a Mestre Borboleta, assim, eu estive junto com ela na fundação do grupo dela, e depois fui dando prosseguimento no trabalho vindo para a Beira Mar, mas não um trabalho de movimentação, mas sim um trabalho de fundamentos, tradição, ritmos e canções. Ao longo do tempo eu e Mestre Lelo vimos que queríamos seguir um outro caminho e decidimos formar um novo grupo. O grupo vai fazer 2 anos agora no dia 20 de dezembro de 2015 e o que queremos desse grupo e fortalecer o lado da cultura, os fundamentos, os toques, os conceitos da Angola e da Regional, são coisas que queremos formar nesse grupo. O nome Voz do Berimbau surgiu de uma forma muito bacana, sofremos muito para chegar nesse nome, pois escolhemos vários nomes que depois vimos que já existiam, e a gente já não aguentava mais. E numa segunda-feira, eu tirei um sono na hora do almoço e sonhei com o berimbau tocando, com a voz do berimbau. Assim que acordei, no mesmo momento eu liguei para o Mestre Lelo e disse, “o nome vai ser Voz do Berimbau, não vai ter ninguém com esse nome e vai ser esse mesmo”. E isso tem muito a ver com a gente, com a questão das tradições e dos toques que eu gosto e reforço muito e queremos que os alunos aprendam e repassem isso no futuro.


RODA DE CAPOEIRA: Como o senhor comentou você vem fazendo um trabalho sobre fundamentos, tradições e ritmos da capoeira, fale um pouco sobre isso?

MESTRE DJALMIR: Como eu vivo isso desde pequeno, mesmo tendo ficado muito tempo parado na capoeira, vi que muitos deixaram de dar importância nos fundamentos, tradições e toques, e pelo que eu sei, pelo que eu aprendi no passado, não queria morrer e levar esse conhecimento comigo. Assim junto com o Mestre Lelo a partir do Centro Cultural Voz do Berimbau, comecei a fazer esse trabalho que são oficinas para levar esse conhecimento para outras pessoas, para outros grupos que se interessem. Às vezes as pessoas veem o trabalho e ficam maravilhados, falam que é muito lindo e eu não podia morrer com isso, esse é um trabalho para a capoeira, para ajudar a divulgar a capoeira e suas tradições, e gostaria de ver outros grupos também fazendo isso para engrandecer a nossa arte.


RODA DE CAPOEIRA: Mestre Djalmir, queria que o senhor deixasse um recado para os jovens que estão iniciando agora, para aqueles que estão começando um trabalho com a capoeira.

MESTRE DJALMIR: Eu sempre falo uma coisa, no mundo da capoeira como em qualquer outra coisa existe uma caminhada, e para a capoeira eu denominei 50 degraus. Então que o capoeira iniciante pise de degrau em degrau até chegar ao número 50 e se torne mestre. E quem chegou até um determinado degrau, mas levando um empurrãozinho, que volte e refaça seus passos, pois se chegar ao número 50 pulando, não vai ter sabedoria, não vai ter conhecimento do percurso dessa caminhada. E que os novos pensem bem direitinho e vejam que a comida está na mesa a vontade, a fruta esta aí para todo mundo comer, mas olhe para trás, veja quem plantou essa árvore, pois quem plantou essa situação sofreu muito para chegar onde chegou debaixo de chuva ou de baixo de sol para botar a comida na mesa, então quem chegar para comer essa comida na mesa, não deixe de regar aquela sementinha lá atrás, pois se não fosse Mestres como Bimba, Pastinha, Caiçara, Traíra, Camafeu de Oxóssi, e outros mestres que conheci, a capoeira não chegaria a mim nos anos 60, não chegaria a outros nos anos 70, não chegaria a essa garotada nesse ano de 2015. Então olhe para essa fruta, saiba comer bem, mas olhe pra trás e saiba quem plantou de baixo de chuva e de baixo de sol. Essa é a mensagem que deixo para vocês!!!


RODA DE CAPOEIRA: Obrigado Mestre Djalmir, fico muito agradecido e emocionado por suas palavras, por ter tido essa oportunidade de conversar com o senhor e aprender com o seu conhecimento.